Microsseguros na Favela de Rocinha (Rio de Janeiro) by Hernan Poblete Miranda - HTML preview

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comporta características de um Nodo (relações mais impessoais), com as

de um MCC (informalidade, principalmente nas formas de pagamento).

Alguns pequenos comércios ainda têm como prática a venda através do

‘fiado’.

Além de ser uma das portas de entrada da Rocinha, o Nodo 3, assim

como o Nodo 2, é um ponto de convergência de alguns sub-bairros bem

populosos: Rua 1, Laboriaux, Portão Vermelho, Vila Cruzado, 199 e, de certa

forma, também a Rua 2.

É interessante perceber que por toda a extensão da Estrada da Gávea

há uma grande concentração comercial, mas esses espaços nos quais estão

os Nodos são realmente distintos. Nota-se um impessoalidade mais forte

– as lojas têm uma identidade mais definida, muitas delas são filiais de

grandes magazines, as formas de pagamento são diferenciadas e visam

atrair mais consumidores, não só da Rocinha, mas das favelas e até mesmo

dos bairros próximos.

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Microcentros Comerciais Compostos

Em relação aos MCC’s, também se aplica uma classificação gradativa:

MCC A – Apresenta algumas características de um núcleo comercial, como a impessoalidade nas relações e a diversidade das formas de pagamento. Mesmo em

pequena escala, observa-se a prática do fiado concomitantemente a um pequeno

grau de pessoalidade nas relações comerciais. Exemplo: MCC da Vila Verde.

MCC B – Apresenta menor grau de impessoalidade nas relações comerciais.

As formas de pagamento tornam-se menos diversificadas, podendo apresentar

a prática do fiado em maior extensão do que no MCC A. Exemplo: MCC da Vila

Cruzado.

MCC C – Apresenta expressivo grau de pessoalidade nas relações comerciais, com a prática frequente do fiado. Exemplo: MCC da Rua Dionéia.

Mini-MCC – Apresenta o maior grau de pessoalidade nas relações comerciais, tendo a prática do fiado totalmente institucionalizada. Exemplo: “biroscas”.

São pequenos núcleos de comércio (em geral, informais) que desenham

uma rede de microcapilares – sempre em conexão com um Nodo Comercial –

em bairros e favelas onde existe informalidade. Possuem um aspecto estratégico

de distribuição de produtos e serviços que requerem uma venda com aspecto

mais interpessoal, pois neles se observam elevadas relações de vizinhança em

pequenos núcleos.

Um MCC é, como dito anteriormente, um lugar, ou seja, um espaço de

pequenos núcleos comerciais que descentralizam a atividade econômica e a

propagam para as áreas periféricas ao nodo, irrigando a favela ou o bairro com

trocas econômicas que transcendem tal objetivo e promovem o convívio social e

o reconhecimento individual, onde o cliente é conhecido pelo nome.

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Ao longo da Rocinha os MCC’s apresentam diferentes gradações de pes-

soalidade, tornando-se cada vez mais informais e importantes para os moradores, conforme a distância dos centros. Dessa forma, os Microcentros Comerciais

Compostos assumem papel importantíssimo no desenvolvimento da região. As

compras têm um caráter mais informal nesses pequenos centros comerciais. A

confiança é a base da relação entre quem vende e quem compra. Não é difícil

observar o contato mais estreito entre comerciantes e clientes, muitas vezes

fazendo do local uma extensão da casa ou do barraco. As pessoas frequentam os

microcentros não só para consumir, mas também para ter um convívio social e

reforçar os laços de vizinhança e de solidariedade.

É preciso, no entanto, diferenciar os vários tipos de Microcentros existentes no interior da Rocinha. Os pequeninos mercados encontrados nas ruas mais estreitas funcionam sozinhos como mini-microcentros comerciais, já que atendem às necessidades básicas e urgentes dos moradores de seu entorno e ainda funcionam

como ponto central de um determinado eixo das ruas onde se localizam. Esses

pequeninos mercados têm uma importância vital para o atendimento das regiões

mais pobres e distantes do centro da Rocinha.

Um outro tipo de microcentro verificável na Rocinha é o oposto do primeiro.

A relação pessoal e o atendimento a um público específico permite que sejam

assim classificados, mas a variedade dos tipos de comércio e o tamanho podem

confundi-los com os Nodos Comerciais. São Microcentros com fortes caracte-

rísticas de Nodo. Entre eles se destacam dois. O primeiro é o da Rua 2, que está em um ponto próximo à Rua 3. Esse microcentro está exatamente no meio da

comunidade, atendendo a grande demanda. Uma característica desse MCC é a

presença de seis lojas de material de construção, sendo uma de grande porte.

A concentração desse tipo de loja demonstra que tal MCC talvez seja o mais

importante de toda a Rocinha, pois atende a um grande número de pessoas que

buscam uma relação de confiança para a compra desse tipo de material, o que é

muito comum. Provavelmente, esse MCC esteja em processo de transição a um

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Nodo Comercial. Algumas grandes obras públicas visando alargar a Rua 2 e torná-la mais acessível, com possibilidade de receber novos comércios, faz desse ponto

um potencial Nodo. As obras de contenção de água, pavimentação e melhoria das

condições de salubridade da região partem exatamente desse microcentro.

Um outro MCC crucial é o do setor 199 que suporta a demanda da população

do próprio sub-bairro e ainda de outro, conhecido como Vila Cruzado. Pode-se até dizer que ele é uma extensão do Nodo da Rua 1. Tal fenômeno é muito interessante de ser analisado, pois se tratam de concentrações comerciais mistas, com

características de MCC’s, mas que também se assemelham bastante aos Nodos.

Dessa maneira, os Microcentros Comerciais existentes são, de certa forma, pilares de escoamento dos principais Nodos, atendendo a um tipo de demanda distinta

na qual o cliente, distante dos Nodos, busca produtos de consumo mais frequente e, com isso, comodidade.

Os pequenos MCC’s atuam para atender às demandas básicas, evitando que

os moradores precisem ir sempre à Estrada da Gávea, o que, em certos casos, pode ser uma longa caminhada ou subidas e descidas intermináveis.

Os mapas comerciais ilustram e conseguem mostrar com clareza as

atividades comerciais na Rocinha. Apesar de não falarem por si só, são grandes

ferramentas de análise para ajudar na compreensão de variados fenômenos da

economia da região.

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5. MCC, muito além

de trocas econômicas

Para entender a atividade econômica do comércio dentro da Rocinha é

preciso um mergulho de grande profundidade em seus Microcentros Comerciais

Compostos – conceito explicitado no capítulo 4 – e na complexidade que estes

apresentam através da coexistência de informalidade e formalidade.

As relações interpessoais são, por excelência, a própria dinâmica entre

clientes e comerciantes nos MCC’s. A presença de certos aspectos indicativos de uma transição à formalização (como os meios de pagamento através de cartão de

débito e crédito) em um local em que a informalidade predomina confere grande

complexidade aos MCC’s, ganhando contornos criativos na rede de relações esta-

belecidas.

O aviso estampado em uma loja de artigos domésticos, televisões usadas,

sofás e poltronas novas – uma espécie de Casas Bahia informal localizada no MCC

da Rua 2 – dizia:

“Não permitimos mais a retirada de produtos na loja. Entregamos no

endereço indicado”.

E ainda:

“Se você não pagar em dia, o cobrador da loja irá no seu endereço”.

A loja em questão realiza venda à prazo por meio de carnês sem a necessidade

de comprovação de renda. A única condição é a de que o cliente apresente um

comprovante de endereço para que, em caso de inadimplência, o cobrador da loja

possa fazer a cobrança no endereço onde a mercadoria foi entregue. Observa-se

neste caso a venda formal, por meio dos carnês, com um sistema de cobrança

informal.

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Nos Microcentros Comerciais Compostos é prática comum os pequenos comer-

ciantes comprarem suas mercadorias dos fornecedores como pessoa física, usando

RG e CPF – um indicador de informalidade. É o caso da dona de um bar conhecida

por todos os moradores da região onde está localizada. Ela conta que o procedimento padrão é a compra ser feita como pessoa física, com o seu CPF. (Empresas formais compram e atuam como pessoa jurídica, por meio de um CNPJ.)

Já o dono de uma mercearia no MCC da região conhecida como Roupa Suja

– considerada uma das mais pobres da Rocinha – é outro comerciante que compra

mercadorias como pessoa física. Ele ainda enfrenta outro problema. O fornecedor não entrega diretamente em sua loja, e sim “lá em baixo” devido ao seu comércio estar distante de vias carroçáveis. Por isso, “é preciso pagar alguém para trazê-las até o meu estabelecimento”. A informalidade deste caso impede o comerciante de colocar máquina para pagamento por meio de cartão de crédito ou débito a fim de “acabar com o fiado”. Por mais que ele queira, esbarra em questões legais, optando por permanecer na informalidade.

Os relatos de funcionários de agências bancárias presentes na Rocinha apontam

tal questão de forma clara. A presença de instituições bancárias tem servido como um agente de informação, conscientização e educação no sentido de promover a formalização. Alguns comerciantes, após serem instruídos sobre as diferenças entre as linhas de crédito para pessoas físicas e jurídicas, foram estimulados a legalizar o negócio a fim de obter acesso às mesmas.

Há casos em que nem a legalização de um estabelecimento comercial afasta as

práticas mais informais. Na Vila Verde, um sub-bairro muito próximo ao principal Nodo da Rocinha, um comerciante tem seu estabelecimento legalizado perante o Estado, com CNPJ e toda a documentação legal. Ele tem máquinas de cartões de crédito e

débito e compra diretamente de fornecedores. Porém, a prática mais comum ainda

é comprar “fiado”. O comerciante acha difícil “mudar o costume”, afinal, sua clientela “é toda conhecida”. Apesar da proximidade com o Nodo ter estimulado a formalização do negócio, a informalidade prevalece nas trocas econômicas com os moradores.

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Independente da coexistência de informalidade e formalidade, o que

caracteriza os pontos comerciais dos Microcentros Comerciais Compostos são as

relações interpessoais, o fato de serem “lugares” – ou seja, onde existe um forte sentido de identidade entre os moradores. A coexistência, contudo, pode ser

indicativa dos efeitos da urbanização de uma Rocinha que cada vez mais deixa

de ser “favela” e passa a se transformar em um “bairro”. A complexidade observada nos MCC’s é inerente a qualquer tipo de transição e os comércios são a expressão mais nítida de tal fenômeno.

Lugares de trocas comerciais e pessoais

Na área conhecida como Setor 199 foi observada uma tentativa de insti-

tucionalização da prática do fiado. O proprietário de um mercadinho recorreu à

velha prática da caderneta com um crédito para cada morador da região. Segundo

a mulher do proprietário, os créditos são diferenciados de acordo com a renda da pessoa, o que já faz supor um grau de conhecimento e de intimidade entre comerciantes e vizinhos. O crédito aumenta se o morador paga em dia, podendo-se

considerar tal conduta uma espécie de gestão informal de risco de crédito.

Vender fiado comprova a existência de laços sociais de conhecimento ou

amizade. O dono do mercadinho é categórico ao dizer que “só vende fiado para os conhecidos” e que ele e a esposa pretendem diminuir essa forma de pagamento,

ressaltando que não é possível acabar de uma vez por todas com tal prática

“porque tem freguês que é fiel”.

Os estímulos para as relações interpessoais nos comércios dos MCC’s variam

de acordo com o MCC em questão. A prática do fiado está presente em todos

os MCC’s; porém, ela é gradativa e vai diminuindo inversamente ao tamanho

do microcentro. O recebimento de cartas e encomendas também é um grande

estímulo para essa rede de sociabilidade entre comerciantes e vizinhança. O

comércio funciona como verdadeiro ponto de referência na comunidade, uma

rede de apoio aos moradores dos becos e travessas, onde o correio não consegue

entregar a correspondência.

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O uso, ainda que pequeno, de meios formais de pagamento, como os

cartões de débito e crédito, começa a indicar as mudanças sendo promovidas

pela presença do Estado e das instituições financeiras na Rocinha, promovendo

a chamada bancarização de seus moradores e, por conseguinte, sua inclusão nos

meios formais de trocas econômicas.

O dono de uma mercearia informal na região conhecida como Roupa Suja

queria instalar a máquina para poder aceitar cartões de crédito e débito. Segundo ele, “muitos moradores já utilizam o cartão”. Isso demonstra que, mesmo morando em uma região considerada pobre dentro da Rocinha, a população já começa a

demandar formas de pagamento formais, fazendo com que os comerciantes, por

sua vez, também busquem a formalização como forma de manter o negócio.

A transição para a formalidade só não é mais ampla e forte devido aos

problemas de infraestrutura da Rocinha – problemas estes que estão previstos

de serem solucionados no projeto de urbanização em andamento. A falta de

vias carroçáveis é um nítido empecilho à maior formalidade dos comércios do

entorno, pois na maioria das vezes eles estão localizados em becos. Por outro lado, há quem ganhe o pão de cada dia transpondo tais obstáculos, levando produtos

aos lugares de difícil acesso dentro da Rocinha.

Os Microcentros Comerciais Compostos funcionam como um polo de apoio

aos moradores em determinadas áreas. É importante frisar que há vários tipos

de MCC’s dentro da Rocinha; porém, seja o menor deles, que seria apenas um

mercadinho, ou o maior, com lojas de médio e até de grande porte; eles atuam

como ponto de encontro da área em que se localizam. São o lugar em que as

pessoas param para conversar, discutir, trocar informações. De maneira geral, a relação com a vizinhança é de aproximação e acolhimento.

É possível reconhecer vários tipos de Microcentros Comerciais Compostos

na Rocinha – cada um deles com um grau de pessoalidade entre moradores e

comerciantes. São nos Mini-Microcentros Comerciais Compostos, ou pequenos

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comércios encontrados no interior da Rocinha, que os vínculos pessoais são ainda mais aparentes e fortes.

É o caso de uma mercearia com oito anos de atividade e de propriedade de

um casal que mora na localidade há dezenove anos. O comércio possui múltiplas

funções: vende pão, cereais em geral, bebidas alcoólicas, etc. A esposa relata que muitas mulheres da localidade a procuram para pedir conselhos pessoais, mas

não atribui isso ao fato de ter um comércio no local e sim ao longo período em

que mora ali.

A sociabilidade produzida por esse tipo de relação não é apenas comercial,

mas sobretudo pessoal, engendrando laços de confiança que se estreitam à

medida que se dão de forma “transparente e amigável”.

Além da amizade, a solidariedade também permeia as relações interpes-

soais e é comum comerciantes e vizinhos se unirem para ajudar outras famílias

em dificuldades. Muitas vezes, preparam uma cesta básica e mandam entregar na

casa da pessoa necessitada.

Em uma papelaria na região chamada de Setor 199 o atendimento feito

diretamente pelo dono demonstra uma relação de amizade e reconhecimento

pessoal. Alguns de seus clientes nem precisam dizer qual é o produto procurado.

O dono já sabe! Outros não sabem bem o que precisam comprar e apenas aprovei-

tavam para “bater um papo”, falar do dia dos namorados, do dia de Santo Antônio e até do defeito do telefone residencial.

Em certa ocasião testemunhada em trabalho de campo, um cliente comprou

um cartão pré-pago na papelaria e pediu que o dono inserisse créditos, pois ele não sabia como fazer. Segundo ele, havia perdido o celular que era de outra operadora e por isso estava com dificuldade para realizar a operação. O comerciante se

lembrou da cor do celular do cliente (azul) e disse que um aparelho daquela cor havia sido achado por um amigo seu em uma festa realizada na noite anterior.

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Aconselhou que o cliente nem utilizasse o novo celular e procurasse a pessoa em questão.

Situações como essas são comuns no dia a dia da Rocinha, principalmente

nas áreas mais afastadas, nos Mini-MCC’s; e indicam que, além de uma relação

comercial, existe uma relação de amizade e de confiança.

A rua Dioneia é considerada um sub-bairro e, por apresentar um expressivo

grau de pessoalidade nas relações comerciais e a prática frequente do fiado, foi identificada como possuidora de um MCC do tipo C. O relacionamento social

entre comerciantes e moradores é muito parecido com o dos Mini-MCC’s e a infor-

malidade também é a principal características da rotina de seus habitantes.

A maior parte dos estabelecimentos comerciais (bares, mercadinhos,

padarias) mantém a prática do fiado totalmente institucionalizada. Os comerciantes dizem, de modo geral, que só vendem “fiado” para aqueles em que confiam.

Muitos afirmam não gostar dessa prática, mas de toda forma, o fiado não só existe, como seria muito difícil um comércio funcionar sem ele naquela região.

Os comércios também funcionam como grandes pontos de referência na

região da rua Dioneia. Eles recebem a correspondência dos vizinhos que moram

em becos e travessas da mesma microárea. O mercadinho recebe mercadorias en-

comendadas pelos vizinhos. Tal rede de cooperação se estende inclusive entre os próprios comerciantes. A padaria recebe até mesmo produtos destinados a outros

comércios aos quais os entregadores não conseguem chegar. Por isso, os pontos

comerciais servem como polos de desenvolvimento da microárea, além de serem

grandes pontos de referência.

Na região conhecida como Vila Cruzado, a concentração comercial tem ca-

racterísticas de um MCC do tipo B, pois apresenta menor grau de impessoalida-

de nas relações comerciais. Há registro ali do uso de meios de pagamento mais

formais, podendo, contudo, ser verificada a prática do fiado, principalmente no Microsseguros na favela da rocinha

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comércio de alimentos. A região concentra muitas oficinas mecânicas e está em

um dos principais acessos à Rocinha, com a circulação de muitas pessoas não-re-

sidentes e, consequentemente, com a utilização de meios de pagamento formais.

O principal comércio do bairro é um bar que recebe cartas e encomendas dos

moradores dos becos ao redor.

Já a microárea conhecida como Vila Verde, pela proximidade com um dos

nodos comerciais, possui características de um núcleo comercial como a da im-

pessoalidade nas relações e a diversidade das formas de pagamento, e por isso

foi identificada como MCC do tipo A. Mesmo em pequena escala, observa-se a

prática do fiado, concomitantemente a um pequeno grau de pessoalidade nas

relações comerciais.

Nessa região, pode-se notar a coexistência de formas de pagamento

diferentes em dois estabelecimentos comerciais que servem também comida e

vendem alguns alimentos não perecíveis, além de cigarro e bebidas alcoólicas.

Em um deles, um mercadinho, o alto grau de pessoalidade marca a relação

entre o comerciante e os seus clientes. O proprietário conhece bem a freguesia.

Em uma ocasião, um dos clientes apenas entregou o dinheiro e o dono já sabia que ele queria cigarro e a marca do mesmo. Nesse caso, a prática do “fiado” continua sendo comum.

Já em outro mercadinho próximo, as compras podem ser feitas por meio das

vias formais de pagamento, ou seja, cartões e cheques. Mas apesar da instalação da máquina de cartão de crédito, o proprietário diz atender a um grupo específico de moradores; sua clientela é toda conhecida e por isso também mantém o

fiado como alternativa de pagamento. Eventualmente ele aceita fazer doação de

alimentos – quando uma pessoa de “boa índole” lhe solicita.

De modo geral, em todos os Microcentros Comerciais Compostos, os

comércios funcionam como grandes pontos de referência utilizados pelos

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moradores para se situarem dentro do denso território da Rocinha ou mesmo

para indicarem seus endereços.

Além dessa importância estratégica do ponto de vista geográfico, os micro-

centros ativam os lugares de encontro, de trocas de informações e experiências e do compartilhamento de acontecimentos felizes e tristes.

Biroscas, Mini-Microcentos Comerciais Compostos

A presença das chamadas biroscas foi constatada em diversas regiões

espalhadas por todo o território da Rocinha. Birosca55, segundo o Dicionário

Houaiss, são pequenas vendas, de instalações simples, um misto de mercearia e

bar. Tratam-se de estabelecimentos muito pequenos, mas com um papel crucial

no atendimento de microáreas sem outros comércios próximos. Sendo assim, as

biroscas foram classificadas como Mini-Microcentro Comercial Composto, quase

sempre encontradas em locais distantes dos Nodos. São Mini-Mcc’s que têm a

função de suprir, ainda que minimamente, as demandas imediatas dos moradores

situados em pontos mais distantes do MCC. De certa forma, pode-se dizer que

esses Mini-MCC (as biroscas) ativam o Nodo que, por sua vez, responde ao estímulo, oferecendo produtos e serviços voltados para essa relação de influência.

Na localidade conhecida como Largo do Muarana há uma birosca na qual

é comum a venda por fiado. Um dia um menino entrou na pequena loja e pediu

uma caixa de sabão em pó “para sua avó”. A dona, tranquilamente, entregou a

mercadoria à criança, sem questionar nada. Ela conhece seus clientes e seus laços de parentesco. Esse é só um exemplo de que, quanto menor é o comércio, maior

é o nível da informalidade, alimentado pelas dimensões de identidade, históricas e relacionais de um Lugar.

Dessa forma, o olhar que se lança sobre esse tipo de comércio não tem por

objetivo visualizar a informalidade sob a luz da não relação com o Estado, tendo em vista que praticamente todos os negócios na Rocinha, sob essa mesma luz, são 55 Definição segundo Dicionário UOL Houaiss

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informais. A ausência de formalidade aqui tratada é, sim, na relação comerciante/

cliente – extremamente pessoal, e vista sob a ótica tridimensional do conceito de um Lugar.

As biroscas, porém, são estabelecimentos que têm funções mistas. Relatos

de comerciantes dão conta de que algumas mulheres, mães que voltam da escola

com seus filhos, utilizam tais estabelecimentos como estação de parada, nos quais podem conversar um pouco e logo em seguida retomar suas rotinas. A dona de

uma birosca em Vila Verde relata que costuma sentar-se na entrada da loja, nos

fins de tarde, horário em que as mães buscam seus filhos na escola, para conversar um pouco com elas. Assim, esse espaço é visto como ponto de encontro entre

moradores e lugar em que se estabelecem as relações sociais dentro da Rocinha.

Em geral, as biroscas se destacam na paisagem comercial como local de

convivência também para os homens. Nota-se a predominância da presença

masculina devido à venda de bebidas alcoólicas. A presença feminina, por sua

vez, se dá de modo intermitente, pois se limita à obtenção de suprimentos de

necessidades imediatas.

A venda nas biroscas ou Mini-MCCs de bebidas alcoólicas, bebidas em geral

e produtos de cesta básica serve às necessidades urgentes dos moradores do

entorno. A compra de bebidas é feita principalmente por homens e os produtos

de cesta básica de forma mista, por homens e mulheres.

A rede social criada em torno das biroscas independe das vias carroçáveis.

Na verdade, elas surgem naturalmente por um tipo de demanda oriunda do

fato de os Nodos não poderem atender todas as áreas. O objetivo das biroscas é

justamente oferecer produtos de uso diário, sem que para isso as pessoas precisem se deslocar até os grandes Nodos.

Uma moradora da Rocinha há 20 anos considera que a importância das

biroscas, nas quais predominam a informalidade e o fiado, “tem se reduzido gra-

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dativamente”. Para ela, já não se encontra “de tudo” nessas pequenas lojas, como massa de tomate, milho, ervilha – q