As Meninas que Vieram das Estrelas by Marcos Aragao Correia - HTML preview

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- Margarida... não! Margarida! – gritou Yania ainda mais afl ita enquanto a abanava com força.

Kami, que se encontrava ao lado de Yania, encostou-se a ela confortando-a e mostrando que era inútil.

- Ela já não está aqui Yania.

- Não! Margarida!

- Yania, ela vive agora num lugar melhor...

- Margarida! – e começou a chorar imenso, abraçando o corpo já sem vida.

Kami sabia que Margarida já estava na galáxia do Paraíso, mas compreendia a dor imensa de Yania. Afi nal, mesmo tendo partido para um lugar melhor, o modo horrível como essa partida se dera, cheia de sofrimento e antes da hora, também a revoltava enormemente.

- Monstros! Monstros! São mesmo monstros! – gritava Yania chorando.

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Capítulo 7

O Ministro do Estado, pai terrestre de Yania, acabara de receber um segundo telefonema do director do hospital psiquiátrico avisando que a sua fi lha e a amiga eram comprovadamente Espíritos do Amor, pois haviam demonstrado poderes excepcionais que confi rmavam as ideias que lhe tinham transmitido antes.

João Nóbrega fi cou bastante preocupado. Já tinha ordenado um cerco policial ao hospital, mas sendo uma situação de grande gravidade para a ordem pública e para a segurança dos monstros, decidiu telefonar ao seu superior hierárquico, o Presidente do país mais poderoso do planeta, para avisá-lo do que se passava.

- Senhor Presidente, desculpe incomodá-lo, mas existe uma situação de emergência no nosso país. – informava inquieto ao telefone.

- Ó senhor Ministro! É sempre um prazer ouvir um dos meus mais fi éis servidores. Então o que é que se passa?

- Obrigado senhor Presidente. Acontece que descobri que a minha fi lha é um Espírito do Amor. Fugiu de casa há uma semana, e agora regressou para salvar uma amiga dela que tínhamos mandado o tribunal condenar e internar num manicómio. Está acompanhada por outra miúda, e fi zeram uso de poderes paranormais bastante desenvolvidos.

- Isso é realmente grave... – fez um silêncio de alguns segundos enquanto pensava. – Não podemos arriscar. Envie os comandos militares para aprisioná-las, enquanto eu vou avisar a Igreja de Satanás.

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As meninas que vieram das estrelas O Ministro do Estado, que no seu país era o chefe do governo, cumpriu imediatamente as ordens do Presidente do país militarmente mais poderoso e fi nanceiramente mais rico da Terra, tendo mandado avançar para o local os comandos do exército. Redigiu também um comunicado ofi cial à imprensa, divulgado pelo seu gabinete de assessoria, informando falsamente o povo de que um grupo de loucos extremamente violentos havia se amotinado e tomado conta do hospital psiquiátrico da capital, mas que a situação estava sob controlo e em vias de ser regularizada.

Entretanto, a sede da Igreja de Satanás acabara de receber o telefonema do Presidente pedindo a intervenção desta. O Altíssimo Sacerdote, líder da Igreja de Satanás, Embaixador do Inferno e intermediário entre os governantes corruptos da Terra e a Grande Besta, mandou reunir de emergência o Conselho do Sacerdócio Infernal.

- Altos Sacerdotes Satânicos, Bispos do Supremo Bode Bestial, Monstros Abomináveis do Inferno, estamos aqui reunidos porque Espíritos desse nome que não ousamos pronunciar, tiveram o atrevimento de desencadear uma acção de ataque mesmo debaixo das nossas barbas. – e explicou com uma voz estúpida e rouca a situação aos seus subordinados.

O conselho era composto por dezoito monstros, todos com forma humana, mas que usavam barbichas penduradas no queixo como bodes, pequenos chapéus com longos cornos, longas vestimentas que combinavam as cores vermelha e negra, e aos seus pescoços, grandes pentagramas invertidos. A hierarquia dos monstros era indicada pelo tamanho dos cornos do chapéu. Assim, o Altíssimo Sacerdote vangloriava-se de ter os cornos maiores e mais pontiagudos (com cerca de três metros cada – sim, a sala era muito alta).

Ouviu-se um burburinho frenético.

- Excelência, essas criaturas repugnantes devem ser mortas sem piedade. – propôs com voz de víbora o Bispo Infernal de Mendes.

- De acordo! – gritou o Alto Sacerdote do Trapézio Maldito, dando um soco estrondoso na mesa. Ouviram-se berros de apoio.

No entanto, o Bispo de Belial, número dois na hierarquia do conselho, deitando a língua de fora como uma serpente, levantou-se e disse:

- Excelência – dirigindo-se ao Altíssimo Sacerdote – Há que ter cautela.

Matá-las sem mais iria causar um contra-ataque maciço e imediato dos Espíritos do nome que não ousamos pronunciar. Proponho que as matemos sim, mas que ao mesmo tempo ataquemos com numerosos esquadrões de 71

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monstros da morte a aldeia deles. Assim fi carão enfraquecidos, e incapazes de reagir à morte dessas duas criaturinhas nojentas.

Fez-se um silêncio na sala. Um ataque dessa envergadura à aldeia era coisa desejada por todos há muito, mas que também todos temiam.

O Altíssimo Sacerdote da Igreja de Satanás levantou-se.

- Está decidido. Ordeno, pelo poder que me foi conferido pela Força das Trevas, que sejam já mortas essas miúdas asquerosas, ao mesmo tempo que atacamos com mil esquadrões da morte, dez mil batalhões de infantaria monstruosa e oitocentas naves a aldeia deles na Terra.

O monstro escrivão redigiu a acta da reunião e deu ao Altíssimo Sacerdote para este assinar, pois era necessária a sua autorização por escrito para que o Exército dos Monstros mobilizasse tamanho número de forças. Enquanto, trinta e seis lacaios com caras e asas de morcego entraram para segurarem nas longas capas de cada um dos sacerdotes, enquanto estes se dirigiam para o Templo Maldito, anexo da sede da Igreja, para preparem um ritual contra as meninas.

No templo, colocaram máscaras de animais (lobos, morcegos, felinos e víboras) e o Altíssimo Sacerdote, pegando numa enorme e afi ada espada, iniciou um ritual de destruição com o propósito de provocarem a morte de Yania e Kami, através da emanação psíquica de ondas destrutivas de ódio. Concentraram-se, e invocando Satanás (um dos nomes da Grande Besta), começaram a desejar com grande força que as meninas morressem imediatamente.

Entretanto, no hospital psiquiátrico, Yania e Kami percorriam apressadamente os corredores do oitavo andar procurando uma maneira de saírem dali sem serem vistas, pois já sabiam que lá fora polícias e militares cercavam por completo o edifício.

- Temos que encontrar uma saída para o telhado, e depois de lá vamos voar até longe daqui. – afi rmou Kami enquanto tentava encontrar uma porta até ao terraço.

- Voar? Eu só fl utuei e mesmo assim já achei difícil! – respondeu preocupada.

- É o mesmo poder. Flutuar é voar em distâncias curtas, portanto quem sabe fl utuar sabe voar.

Yania não estava muito convencida da facilidade de fl utuar em distâncias muito maiores, e por isso suspirou de angústia com todo o problema em que se tinham metido. No entanto, nem ela nem Kami se arrependiam minimamente de terem tentado salvar Margarida. Pelo contrário, ambas 72

As meninas que vieram das estrelas estavam mas era desgostosas por não terem descoberto mais cedo o que se passava com ela, e assim poderem ter chegado a tempo de a ajudar.

- É por aqui! – exclamou Kami – Esta é a porta que vai até ao terraço!

Subitamente Yania começa a sentir uma sensação de sufocamento, como se alguém lhe estivesse a apertar o pescoço tentando matá-la.

- Kami! Espera! – gritou levando aos mãos ao pescoço. – Não me estou a sentir bem...

Nisto Kami começa a sentir exactamente o mesmo.

- Yania, estão a tentar matar-nos com energia psíquica negativa... –

disse com difi culdade. – Invoca o Amor, pensa no Amor e pede-Lhe ajuda contra o Mal.

As duas estavam bastante afl itas, e pararam por momentos para reagir ao que lhes estavam a fazer à distância. Concentraram-se em pensamento na beleza do Amor e invocaram a sua ajuda. Um grupo numeroso de soldados entra no corredor onde estão as duas ainda debatendo-se contra o ataque psíquico.

- Amor, eu e a Kami amamos-Te muito, por favor não nos deixe morrer sem que pelo menos a nossa missão na Terra esteja cumprida. Por favor...

– pensou Yania com um intenso sentimento de Amor.

Kami invocava também a ajuda do Amor. Mas os soldados de elite já as haviam visto e aproximavam-se correndo, agora acompanhados por um feiticeiro das trevas.

A necessidade aumentou o desejo das amigas se verem livres do ataque mental, e... pronto! Ficaram as duas imediatamente libertas das energias destrutivas que lhes estavam enviando a partir da Igreja de Satanás.

Apenas têm tempo de entrar rapidamente no vão de escadas que leva ao terraço do prédio, e Kami desejando muito transforma a porta que acabaram de passar num bloco imenso de pedra. O feiticeiro das trevas tenta desfazer o bloco, mas não o consegue logo.

Já no terraço Yania e Kami concentram-se para voar.

- É como todos os outros poderes! – deu a mão a Yania – Só tens que te concentrar e desejar muito intensamente, com Amor e fé. Deseja que te eleves, como quando fl utuaste, só que agora deseja também tomar determinada direcção, a uma determinada velocidade.

- OK!

- Segue-me! – e Kami elevou-se do chão lentamente.

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Yania concentrava-se enquanto Kami esperava já a cerca de meio metro do solo, sempre de mão dada com a amiga.

Pronto. Estavam as duas no ar.

- Mais para cima, e agora em frente a grande velocidade! – gritou para Yania, que a acompanhava bem de perto.

Começaram a voar velozmente de cabeça, com os braços agora estendidos para a frente. Ouvem então o ruído de helicópteros aproximando-se.

Um deles consegue fi car a poucos metros delas, atingindo uma velocidade anormalmente alta para um helicóptero. O vento que provocava o movimento da hélice começou a perturbar o voo de Yania e Kami, tendo ambas que realizar uma manobra de fuga voando para baixo.

Contudo o helicóptero seguiu-as rapidamente, e abrindo-se uma porta lateral do aparelho, vêem que o feiticeiro das trevas que as perseguiu no hospital psiquiátrico estava agora ali tentando atingi-las com raios de fogo que saíam da sua varinha de magia satânica.

- Deixa comigo! – exclamou Yania enquanto voavam desviando-se dos raios.

Concentrou-se, estendeu uma mão em direcção ao feiticeiro e desejou muito que uma bola de luz se formasse. Atirou-a então com muita força contra ele, desejando que durante o percurso ela se transformasse numa enorme bola de fogo.

O feiticeiro fi cou arregalado quando viu aquela gigantesca bola de fogo em direcção a ele. Tentou reagir com a sua varinha, mas não teve tempo.

Foi atingido em cheio, mesmo a meio dos dentes, e o helicóptero explodiu no ar imediatamente.

- Tens mesmo jeito para isso! – riu Kami, tentando descontrair da tensão que experimentavam.

- Carbonizar monstros!!! – respondeu Yania também rindo para relaxar.

Desceram mais à frente fora da cidade, numa pequena montanha, para descansarem.

Entretanto, na aldeia, os pássaros de vigia começaram a assinalar ruidosamente a aproximação de monstros, enquanto iniciavam também voos circulares em volta de todo o perímetro da aldeia.

Os habitantes reuniram-se de imediato para organizarem a sua defesa.

Pouco depois os seus colares deixavam de brilhar. Os monstros estavam muito perto. Começaram então a ouvir ruídos terríveis vindos de entre as árvores, embora ainda não vissem nada.

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As meninas que vieram das estrelas Decidiram prontamente formar um grande círculo, todos de mãos dadas virados para fora. Apenas as crianças que ainda não dominavam bem os seus poderes fi caram sentadas no interior do círculo, benefi ciando da protecção dos restantes.

No ar notaram também que se aproximavam naves malévolas, pois as suas formas eram bastante diferentes das naves dos Espíritos do Amor. Os monstros que estavam dentro da fl oresta começaram a aparecer, imensos, a maior parte tinha aspecto humano e usavam fardas militares comuns, bem como armas convencionais, como metralhadoras e granadas. A outra parte tinha a sua forma original de monstros, dos mais variados aspectos, geralmente mistura de diversos animais, com patas em fenda, pele de réptil, olhos de felino e vários cornos. Neste grupo destacavam-se alguns líderes, pois ostentavam ar de grande importância, enquanto davam agressivos gritos de ordens, deixando entrever descomunais dentes pontiagudos.

Estes teriam também habilidades mágicas, pois traziam enormes varinhas em forma de serpente, as quais estavam permanentemente a faiscar.

Era um ataque enorme. Os Espíritos do Amor da aldeia tiveram a noção que corriam perigo de vida, e então chamaram telepaticamente os seus irmãos que tripulam as naves do Amor.

Ao som estridente de um rugido, um monstro líder ordenou a ofensiva.

A batalha principiava.

Soldados começaram a disparar continuamente e a lançarem granadas, mas os Espíritos do Amor já haviam criado um escudo à sua volta, o qual rechaçava todas as munições.

Os monstros feiticeiros constatando a inefi cácia das armas convencionais, rugiram e lançaram com as suas varinhas satânicas uma chuva de raios de fogo sobre o escudo, que o consumiu em pouco tempo.

Imediatamente, os habitantes da aldeia, que até então estavam evitando matar os monstros, não tiveram outra escolha senão começar a atirar sobre eles enormes bolas de fogo, o que levou a que os feiticeiros malévolos, com receio, saltassem rapidamente pelo ar para a linha de trás, deixando a infantaria ser o alvo.

Nisto inicia-se o ataque aéreo das naves nefastas, e as naves do Amor não tinham ainda chegado. Aí sim, foi terrível. Espessos e contínuos raios de laser ardiam as casas da aldeia, mas os habitantes não moveram pé do círculo que formavam. Desejaram que uma colossal e impenetrável placa refl ectora se formasse sobre eles. Conseguiram que vários raios laser que 75

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atingiam a placa fossem instantaneamente refl ectidos de volta, o que levou a que muitas naves inimigas fossem destruídas.

Contudo, a frota hostil era numerosa e prosseguia o ataque, tendo já queimado todas as casas da aldeia. Os monstros em terra também continuavam a atacar, mas muito felizmente nem as suas armas nem os seus feitiços conseguiam atingir os habitantes da aldeia, pois estes desejavam que aqueles explodissem no ar antes que os pudessem acertar. Parecia um gigantesco espectáculo de fogo de artifício. Balas, granadas e mesmo feitiços lançados explodiam todos no ar. Em virtude, muitos dos monstros fi caram doidos ao verem a sua impotência de não conseguir matar nenhum habitante, e começaram a extravasar a sua sede de violência disparando indistintamente uns contra os outros. Foi uma razia.

Eis que nos céus chega uma frota de trinta naves do Amor, que mesmo antes de se posicionar sobre a aldeia, já os Espíritos do Amor que as tripulavam tinham desejado que todos os sistemas bélicos das naves maléfi cas se avariassem de imediato, o que veio efectivamente a acontecer.

Impedidos de dispararem mais sobre o Amor, os monstros que as tripulavam tiveram que recuar. A derrota dos demónios era geral, e fi nalmente um general monstruoso, comandante do ataque, não teve outro remédio senão dar ordem de retirada, mandando contudo incendiar a fl oresta pelo caminho.

Os habitantes da aldeia e os tripulantes das naves do Amor rejubilaram de alegria, e tendo estes descido das suas máquinas voadoras, juntaram-se todos para comemorarem a vitória. Beijaram-se e abraçaram-se de contentamento por todos estarem vivos. Todavia, embora fosse a vida de cada um o mais importante, e daí a sua alegria, existia algo a lamentar: a aldeia estava destruída, todas as casas queimadas, todos os cavalos mortos, e quase toda a fl oresta ardia.

Uma enorme chuva começou a cair sobre a fl oresta, desejada pelos Espíritos do Amor, mas o fogo era tão extenso, e as labaredas tão grandes, que só bastante tempo depois é que conseguiram extinguir o respectivo fogo. Desafortunadamente, toda a área fl orestal próxima estava queimada.

O fumo que ainda se levantava, as árvores que estalavam do excesso de calor, o verde que já não existia, deixou todos os habitantes muito amargurados. Haviam perdido um dos últimos paraísos na Terra.

Entretanto, Kami e Yania tiveram que regressar voando até ao bosque da aldeia, pois não tinham mais dinheiro. Tinham sido aconselhadas a evitar 76

As meninas que vieram das estrelas fazê-lo dentro da sociedade, para não chamarem a atenção dos monstros, mas não tinham outra hipótese.

Enquanto o faziam, um grande abutre aproximou-se delas.

- Cuidado Kami! – gritou Yania alarmada – Tens um abutre atrás de ti!

Kami deu depressa uma cambalhota no ar, fi cando agora ela atrás do abutre. Este começa a guinchar, e rapidamente centenas de abutres aparecem no céu, voando mesmo por cima de Kami.

- O que é que eles querem? – perguntou sobressaltada Yania.

- Querem que morramos para nos comerem! – gritou Kami, ao mesmo tempo que vários abutres conseguiam agarrar com as patas a sua camisa tentando agora lhe dar bicadas.

Yania olhou para trás e viu a amiga em sérios problemas. Concentrou-se então nela para lhe enviar uma mensagem por telepatia.

- Kami, mergulha a pique já! – a amiga pareceu hesitar enquanto olhava de volta para ela. Teria recebido bem a mensagem? – Mergulha já! Confi a em mim!

Kami jogou a cabeça para baixo e acelerou o máximo até ao chão. Com a velocidade a sua camisa rasgou-se e os abutres fi caram apenas com tecido nas garras. Embora eles também descessem de imediato tentando voltar a agarrá-la, Yania já tinha conseguido o tempo sufi ciente de separação para materializar, desejando, uma enorme rede à volta dos abutres, que os prendeu e fê-los cair por não conseguirem mais bater as asas.

Mesmo na hora, dado que Kami foi logo obrigada a subir de volta, pois já quase atingia o chão. Restava um abutre no céu. Yania começou a criar uma bola de luz, mas antes de atirá-la, encarou o abutre de frente.

- Então seu mauzão? Queres ir parar ao churrasco agora?

– perguntou.

Parece que o abutre percebera, e dando bruscamente meia volta, desapareceu nos céus.

Kami voou em direcção a Yania, abraçando-a.

- Obrigada, amiguinha querida! Muito obrigada!

Tinha-lhe salvo a vida.

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Capítulo 8

O Presidente do país dirigente dos outros países acabara de receber as notícias da derrota. Não conseguiram matar nenhum Espírito do Amor, e as meninas haviam escapado. Consolava-se apenas com a destruição material que tinham causado, mas não era sufi ciente. Telefonou novamente para a Igreja de Satanás, pedindo aconselhamento. O Altíssimo Sacerdote mandou transmitir, via satélite, uma comunicação para o Inferno, informando do sucedido, e solicitando ordens. Eram satélites ultra-secretos, que conseguiam transmitir dados a uma velocidade muito superior às ondas de rádio, utilizando impulsos electromagnéticos que chegavam à galáxia do Inferno em poucos minutos.

Um lacaio monstruoso informou então o chefe da Igreja de Satanás que a Grande Besta iria se deslocar pessoalmente à Terra, e que deviam preparar tudo e formar uma comitiva de recepção para o seu palácio voador.

E assim foi. Todos os mais importantes sacerdotes e bispos da Igreja de Satanás, sacerdotes com cargos de direcção nas igrejas satânicas protestantes, demónios de reputação, diabos comandantes de legiões infernais na Terra, bruxas e feiticeiros maléfi cos da primeira ordem, vampiros chefes, lobisomens líderes das mais importantes matilhas, governantes imorais de todos os países da Terra, empresários corruptos com as maiores fortunas, cabecilhas das maiores redes de tráfi co de crianças, mulheres e drogas, generais dos grandes exércitos, mafi osos de renome, cientistas peritos na deturpação da verdade, psicopatas e 78

As meninas que vieram das estrelas assassinos famosos, manipuladores da opinião pública, e muitos outros monstros de crédito, embarcaram numa grande nave que, acompanhada duma numerosa escolta, aguardava no espaço aéreo duma zona militar secreta a chegada do palácio voador da Grande Besta.

Dezanove horas depois da hora marcada, desce na atmosfera da Terra a nave-palácio da mais pérfi da de todas as bestas. O atraso é propositado como de costume, e é, nas reuniões agendadas, o primeiro símbolo da supremacia duma besta sobre as outras. As avassaladoras dimensões desproporcionais da nave-palácio da Grande Besta só fi cavam em segundo plano face ao desenho das suas formas. Existiam milhares de enormes cornos metálicos por cima de toda a nave cilíndrica, que também serviam de antenas de comunicação e de controlo remoto. Em volta de todo o aparelho, canhões laser decorados em forma de duendes góticos, desenhos de répteis, lobisomens e vampiros, e cada uma das janelas tinha o feitio de um enorme e terrível olho de tigre. Mais de um milhar de pequenas naves bélicas escoltavam a nave-mãe, garantindo a sua segurança.

Uma vez dentro do palácio voador, os monstros principais da Terra foram conduzidos por demónios-guardas até à enorme sala de recepção, na qual, à frente e num gigantesco púlpito, se ostentava um colossal trono de ouro com forma de víbora.

Estavam todos conversando (grunhindo), quando aparece um horrendo lacaio com cara e asas de morcego, anunciando a entrada da Grande Besta.

- Súbditos monstruosos da Terra, de joelhos e com a saudação dos cornos! – ordenou à multidão. – Vai entrar o maior de todos os monstros, deus do Mal e de todas as Bestas, Chefe Supremo do Inferno, General-Maior Comandante de todas as legiões de demónios, Imperador de todos os imperadores, reis e presidentes, Venerável e Meritíssimo Juiz de todos os juízes, Professor Doutor Catedrático Reitor de Ciências Satânicas, Maior Diabo do Universo, senhores e senhoras, abram alas para Sua Excelência a Grande Besta!

Todos se puseram de joelhos e curvados, levantando a mão esquerda enquanto faziam o sinal dos cornos, e dizendo em uníssono “Hail Satanás”.

Nisto, ouvem-se estrondosos passos de casco. Sai de trás duma cortina vermelha perto do trono um monstro horrendo. Tinha cerca de oito metros de altura, um corpo cinzento com enormes músculos salientes de leão, patas e pernas de bode, tronco e braços de lagarto com escamas, mãos com garras de águia, e da cabeça, também de bode, uma enorme 79

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barbicha de cinco metros destacava-se, além é claro, de um grosso par de cornos revirados para trás, cada um com mais de trinta metros de comprimento.

A sua expressão era sisuda, e com uma horripilante voz rouca e cavernosa, chamou à sua presença o seu Embaixador na Terra, o Altíssimo Sacerdote da Igreja de Satanás.

- Não me agradam as tuas derrotas. – rugiu para o vassalo.

- Excelência, foi uma derrota temporária. Estamos neste momento a treinar milhões de psicopatas dos nossos exércitos no uso da magia satânica. – respondeu com voz de lacaio fervoroso.

- Esses imbecis só sabem matar com facas e espingardas.

Nisto aproxima-se um assassino célebre, que havia morto mais de trezentas pessoas na sua vida actual, e dezenas de milhões em vidas passadas. Havia sido, há pouco tempo, condenado a prisão perpétua num julgamento fantoche, mas logo a seguir as autoridades fi zeram-lhe uma operação plástica mudando-lhe o rosto, e colocaram na prisão, em vez dele, um vagabundo que enlouqueceram previamente e ao qual transformaram a cara através de um feitiço, de forma que fi casse igual ao do homicida.

- Maior de todas as Majestades, as minhas licenças – e beijou as patas da Grande Besta. – Sou a reencarnação de Adolf Hitler, e ostento um enorme currículo na arte de matar. Já fui chefe de governo, e agora sou chefe da maior rede de máfi a ilegal da Terra. Fui encarregue de fornecer para as fi leiras dos exércitos deste planeta os melhores bandidos da actualidade.

Posso vos garantir que estes estão a aprender bem e rapidamente os poderes ocultos das Trevas. Como garantia, se Vossa Majestade não fi car satisfeita, mande-me pessoalmente para uma câmara de gás.

- Assim será. – roncou. – Embaixador Maldito, como estão as mentiras e as hipocrisias na Terra?

- Excelência, são ainda as nossas melhores armas. Controlamos quase toda a população deste miserável planeta. Eles não mais acreditam na verdade, por isso nos obedecem tão cegamente.

- Muito bem. Mas acabem com esses repugnantes Espíritos do nome que não ousamos pronunciar que ainda vivem na Terra. Não haverá desculpas.

– e retirou-se novamente com grandes estrondos, enquanto todos se curvavam e começaram a entoar um tétrica canção bélica intitulada “O

Senhor Satanás é o nosso deus”.

Entretanto na aldeia, ou no que restava dela, os Espíritos do Amor estavam já preocupados por Kami e Yania ainda não terem regressado, 80

As meninas que vieram das estrelas quando as vêem a voar e a descer no meio deles. Todos se dirigiram para elas, tentando abraçá-las.

- Mas o que é que aconteceu? – perguntou Kami espantada ao ver tamanha devastação.

Yania levou a mão à boca.

- Está tudo destruído...

Então Dyma e Noiu contaram-lhes tudo o que se havia passado.

Kami e Yania perceberam que, tão vingativos que são os monstros, deveria ter existido uma relação entre a tentativa de resgate de Margarida e aquele terrível ataque, e contaram também tudo o que sucedeu com elas fora da aldeia.

Ninguém da aldeia as censurou, muito pelo contrário, todos as consolaram pois sabiam que elas agiram sempre segundo o Amor.

O facto de a maior parte da fl oresta estar ardida levou os habitantes a decidirem procurar outro lugar na Terra para construírem uma nova aldeia.

Tinha que ser um local no meio dum grande bosque longe da sociedade, e que tivesse um rio para poderem utilizar a sua água. Contudo, sabiam que esses lugares eram cada vez mais raros, pois os monstros detestam a natureza, e ao longo de séculos empenharam-se em arder as fl orestas, abater árvores sem necessidade, poluir as águas, o solo e o ar, rebentar montanhas, cavar imensos buracos, e mais recentemente contaminar com material radioactivo extensas áreas tanto da terra como do mar.

Esperaram que viessem ainda mais naves do Amor, de forma a que houvesse lugar para todos, e então partiram, tendo sobrevoado a Terra durante vários dias, procurando escolher o melhor lugar para uma nova aldeia. Foi durante estes dias que houve a maior vaga de avistamentos sucessivos de OVNIs da sociedade moderna.

Eis então que fi nalmente encontraram um lugar muito bom. Estava preservado, bem isolado, e um grande rio de águas cristalinas banhava-o.

Saíram todos, e em conjunto, servindo-se da preciosa ajuda do poder da mente, construíram novas casas para todas as famílias. Eram todas de madeira, mas por cada árvore que tinham de cortar para a construção, plantavam outras duas pequenas árvores na mesma zona.

Nove dias depois estava tudo pronto. Era uma nova aldeia tão linda quanto a anterior, com imensas fl ores, árvores de fruto e novos cavalos que foram trazidos da densa fl oresta e ensinados. Os colares de todos brilhavam intensamente.

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Yania, Kami, Ilky, Kimi, Dyma e Noiu foram então dar um passeio a pé, todos juntos, pelas imediações do bosque.

- Ainda penso muito na Margarida. – afi rmou Yania olhando para o céu.

- Filha, não te preocupes, pois ela vive agora num lugar muito melhor que a Terra, vive na nossa galáxia do Paraíso. Será em breve uma criança saudável e linda, por isso não te preocupes, pois está tudo bem com ela.

– respondeu Dyma muito serenamente.

- Mas não é justo que não tenha sido ela a escolher quando queria partir! – exclamou revoltada.

Kami chamou um pequeno pássaro às suas mãos e fez-lhe festas.

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